segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Antropologia e Marketing (I)

Depois de tanto pensar no próximo post (sim, manter um blog exige bastante exercício da massa encefálica! rs), cheguei ao tema, mas percebi que seria interessante eu introduzi-lo com uma parte de um trabalho que eu fiz a respeito do papel da antropologia na pesquisa de mercado. No próximo post irei discutir um pouco sobre o método etnográfico (esta idéia veio a minha mente depois de longas discussões com alguns amigos “marketeiros” a respeito das informações produzidas por tal método: paricularidade vs massificação), por isso a utilidade desta introdução a respeito da relação entre Antropologia e Marketing.


***


Como ponto de partida, retomo a discussão que eu elaborei no post “Vamos ao que interessa: conteúdo”, para não ser repetitiva, quero apenas lembrar de dois elementos: campo de produção e campo do consumo, os quais estabelecem uma dinâmica homóloga, a partir da qual são captados os gostos, no campo do consumo, para a produção de bens materiais, no campo da produção.


Esta dinâmica, entre o campo de produção e o de consumo, se complexifica quando a situamos na lógica do império do efêmero (LIPOVETSKY, 1989) da sociedade pós-moderna. A definição dos gostos extrapola as dimensões da distinção de classe, adentrando em uma malha de diferenciação composta por elementos de naturezas distintas, dando origem ao que Featherstone irá chamar de microidentidades (FEATHERSTONE, 1995).


Esse processo de complexificação é resultado da intensificação de uma dinâmica que marcou a transição da sociedade de corte para a sociedade de consumo (BARBOSA, 2004a). Nesta transição, operou-se a passagem do consumo familiar para o consumo individual. Na sociedade de corte as escolhas individuais estavam subordinadas e condicionadas a grupos com estilos de vida previamente definidos e regulados. Esta dinâmica, contudo, é rompida na sociedade contemporânea de mercado, onde a ausência de regulação das escolhas individuais tornou-se um pressuposto de existência. Hoje a dinâmica de difusão da moda opera de maneira capilar, permitindo uma apropriação por parte dos diferentes grupos sociais e por parte dos próprios indivíduos, levando à criação de modas particulares.


Contudo, como assinalam Colin Campbell (2006) e Daniel Miller (2007), a noção de escolha individual não deve ser romantizada, necessitando situá-la no contexto cultural na qual ocorre, pois variáveis como gênero e grupo étnico estabelecem parâmetros para a operação de tais escolhas. Outro fator a ser considerado é que a identidade não é construída através do processo de consumo, mas o que se dá é antes uma dinâmica de identificação e objetivação de desejos e identidades.


Estas mudanças obrigaram o campo de produção a tornar-se cada vez mais maleável e capaz de identificar os gostos a serem objetivados e de produzir e renovar o sistema de possibilidades estilísticas disponíveis. Contudo, por mais que haja uma homologia entre a distinção dos gostos e a distinção da produção, capaz de produzir fábricas cada vez mais especializadas, a partir do momento em que há uma pulverização e uma distinção quase que infinita dos gostos, a própria estrutura física do campo de produção não consegue responder, de maneira eficiente, sem que haja o desenvolvimento de mecanismos que auxiliem esta identificação.


Neste contexto, situo a Pesquisa de Mercado, interessada em produzir informações acerca do Comportamento do Consumidor. Este campo do Marketing surgiu justamente da crescente necessidade da indústria identificar as demandas disponíveis para promoverem a manutenção de seu portfólio de produtos e manterem-se competitivas dentro da lógica da concorrência de mercado na sociedade de consumo pós-moderna.


Contudo, a própria dinâmica operada pelo mercado impede que este campo seja constituído de matéria estática, ao contrário, faz-se necessária uma constante reformulação e desenvolvimento de métodos que viabilizem a captação dos gostos dos consumidores.


Observamos, então, uma busca crescente por pesquisas cada vez mais particularizadas, capazes de dar conta das parcelas e grupos formados com crescente a diferenciação e a subseqüente identificação de gostos.


Neste contexto, o método antropológico de campo, a etnografia, passou a ser uma fonte de inspiração metodológica importante para o Marketing. A novidade desta ferramenta antropológica, em tal campo, consistiu na interação com o consumidor em situações reais de existência. Desta forma, os métodos de inspiração etnográfica passaram a integrar o rol das pesquisas qualitativas utilizadas pelo Marketing.



Referências Bibliográficas


BARBOSA, Lívia (2004a). Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.


_________. (2004b). “Marketing Etnográfico: colocando a etnografia em seu devido lugar”. Revista de Administração de Empresas., São Paulo, FGV, v. 2, 2004http://www16.fgv.br/rae/artigos/1891.pdf >. Acessos em 20 out. 2009.


CAMPBELL, Colin (2006). “Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno”. In: BARBOSA, Lívia & CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.


FEATHERSTONE, Mike (1995). Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 2000.


LIPOVETSKY, Gilles (1989). O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia das Letras, 2007.


MILLER, Daniel (2007). “Consumo como cultura material”. Horiz. antropol., Porto Alegre, v. 13, n. 28, dez. Disponível em . Acessos em 15 out. 2009. doi: 10.1590/S0104-71832007000200003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário