quinta-feira, 31 de março de 2011

The Internet: An Ethnographic Approach (1)

Depois de um longo e tenebroso inverno, voltei para ficar! (Assim espero e planejo)

Para abrir a nova fase com chave de ouro, resolvi colocar meus resumos do livro "The Internet: An Ethnographic Approach", do Daniel Miller e do Don Slater. Comecei e parei de ler este livro inúmeras vezes, mas agora, com afinco, partido do seu princípio, voltei a lê-lo e a escrever os resuminhos que são um misto de excerto do texto, com adaptações devido à tradução, e algumas impressões minhas.

Desculpem-me pela falta de atenção às regras da ABNT, pois aviso desde início que estes resumos possuem caráter completamente informal!

O meu interesse pela leitura do mesmo surgiu através da busca por literatura do pensamento social/antropológico a respeito da internet e do consumo. Acabei encontrando um artigo muito interessante do Miller sobre cultura material (estou sem a referência de cabeça, mas prometo que colocarei em outra oportunidade), no qual ele fazia inúmeras referências a este livro, um dos poucos (senão o único) que utiliza a abordagem etnográfica para tratar de forma profunda e holística a relação sociedade e Internet.

Os resumos estão seguindo a ordem dos capítulos e seções do livro (os quais mantive o nome em inglês para facilitar a localização - já que não estou usando as referências de acordo com a norma)

Colocarei em doses homeopáticas!

As portas estão abertas para o diálogo e reflexão!

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1. Conclusions
                Os autores iniciam o livro como uma pergunta que sem dúvida alguma deve vir à cabeça do leitor ao descobrir onde se passa a etnografia do livro: “Why should we do na ethnography of the Internet in Trinidad, or of Trinidad on the Internet?”. Para justificar a escolha eles partem então para a definição do que estão considerando como Internet e como a peculiaridade deste objeto pode trazer aprendizados através de estudos particulares.
Ao contrário do que a primeira geração da literatura sobre internet coloca, para os autores, a internet não é um cyberespaço monolítico e sem lugar, trata-se antes de diferentes tecnologias, usadas por diversas pessoas, em diversos lugares do mundo real, ou seja, existem muitas coisas que podem ser apreendidas através da abordagem antropológica e etnográfica sobre a internet, a partir da investigação de como a internet e as tecnologias que a circundam estão sendo entendidas e assimiladas em lugares particulares.
Na realidade, a premissa da abordagem etnográfica não é somente a de lançar luz sobre o outro, mas de que não se pode entender um sem o outro, neste sentido, o estudo de Daniel Miller e Don Slater irá mostrar que ser trinitino está integrado ao entendimento do que a Internet representa nesse lugar em particular; e o uso da internet está engendrado no significado de ser trinitino, mantendo a devida sensibilidade à complexidade e diferença embebidas em cada termo. Desta forma, eles não estão apenas procurando o significado do uso da internet ou o impacto dos novos meios de comunicação; é mais do que isso: eles estão preocupados em perceber os esforços dos membros de uma cultura específica em serem eles mesmos frente às profundas e constantes mudanças dos meios de comunicação, querem apreender as dinâmicas e os mecanismos usados por estes para se encontrar neste meio e ao mesmo tempo moldá-lo segundo a sua própria imagem.
Para eles, esta etnografia particular não representa uma limitação, mas é a única base sólida para construir generalizações e abstrações maiores, como por exemplo, ao servir de base comparativa para outros estudos de caso. O pensamento social pouco ganhou ao voltar-se para as generalizações acerca do cyberespaço, mas pode ganhar muito ao produzir materiais que permitirão o entendimento de universos sociais diferentes e as possibilidades técnicas que se desenvolveram em torno da internet.

sábado, 9 de outubro de 2010

Dois pesos (um texto demicional)

Resolvi publicar na íntegra o texto que causou a demissão de Maria Rita Kehl do jornal O Estado de São Paulo.

Ele é um símbolo do levante serrista que povoa a internet.

Estou aberta à discussões, mas discussões com argumentos, e não apenas com agressões e declarações extremamente preconceituosas que povoam a internática classe média - ou a classe média internética. Estou indignada com o alto grau de falta de conhecimento histórico do próprio país, creio que as únicas páginas que estejam disponíveis para a sua leitura sejam das grandes mídias com um partido definido.

Por uma reflexão e por um pensamento crítico!

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Dois pesos...


Maria Rita Kehl - O Estado de S.Paulo

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos. 

terça-feira, 6 de julho de 2010

Divagações de uma rede (anti)social

...a objetivação da contradição que deveras sente: sozinho em meio a multidão...
...não mais de pessoas, mas de fotos, palavras e acontecimentos...
...sozinho, em um quarto, sala, ou outro cômodo qualquer...
...tens a noção de quando isso se torna um fim em si mesmo?
...O irreal é transmutado porque a carne ainda é sentida, e o corpo naturaliza e oculta processos estruturais (por que não simbólicos?) maiores...
...As palavras de Simmel ecoam, ultrapassam o tempo, o espaço (o social) e ainda são.... atuais
...Qual será a configuração em bites, bytes, pixels do blasé que traduziu um estado latente (e ainda o traduz)?...
...eu ainda opto por ele...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

1º Seminário de Tendências do Consumo Contemporâneo

Infelizmente terei que trabalhar, comme d'habitude.... Mas para quem tiver disponibilidade, será uma oportunidade imperdível:


Em breve volto a escrever!

Abs,


Gabi Leal

domingo, 11 de abril de 2010

Cyberpunk: o que é isso?

Olás!

Demorei, mas cá estou novamente! Peço desculpas pelo longo intervalo, mas o trabalho e os estudos têm me consumido, mas determinada a conseguir deixar um tempo para me dedicar ao blog! (quem vive essa rotina sabe como que é, né?). Mas enfim, quem realmente quer consegue, não é mesmo? (como outros tantos blogueiros podem atestar).

Estou preparando um texto sobre o Veblen, que me fez pensar muito sobre coisas que eu havia lido sobre ele (críticas pesadas) e que me levaram a ler o quanto antes a sua clássica obra ("A Teoria da Classe Ociosa).

Para interromper o jejum, segue mais um texto que foi publicado no "Para entender a Internet". É um texto bastante interessante sobre o termo "cyberpunk" e sua origem. Leiam, vale bastante a pena!

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Cyberpunk 
por Fábio Fernandes @fabiofernandes

Em 1986, com o lançamento da coletânea de contos de ficção científica Mirrorshades (até hoje inédita no Brasil), o escritor e editor Bruce Sterling apresentava ao mundo onze novos autores do gênero e, além disso, um prefácio que era uma verdadeira carta de intenções à comunidade de ficção científica. Nesse texto, Sterling prestava uma homenagem aos autores da New Wave britânica dos anos 1960, escritores revolucionários como Michael Moorcock e J.G.Ballard, e anunciava que o marasmo no qual a ficção científica havia mergulhado nos anos 1970 e meados dos 1980 acabava ali mesmo.

Com uma FC que tratava sem pudores das angústias contemporâneas (com direito a sexo, drogas, rock´n´roll e muita atitude punk) e sem deixar de lado o uso maciço da tecnologia, os contos de Mirrorshades foram um divisor de águas na literatura do gênero. O prefácio de Sterling se tornou o manifesto oficial do agora oficialmente batizado Movimento Cyberpunk – os punks cibernéticos. Mas o termo cyberpunk não foi inventado por nenhum dos cinco integrantes oficiais do Movimento (além de Sterling, William Gibson, Rudy Rucker, Lewis Shiner e John Shirley) nem pelos demais autores da coletânea. Ele foi criado seis anos antes, quando o escritor de ficção científica Bruce Bethke sofreu um ataque de hackers. Irritado e preocupado, Bethke escreveu o conto Cyberpunk! Essa história envolvendo hackers adolescentes, foi escrita em 1980. Com esse título, Bethke tinha a intenção de inventar um neologismo que exprimisse a justaposição de atitudes punk e alta tecnologia.

Seu pensamento não era muito diferente do expresso por Bruce Sterling ao escrever seu manifesto. A diferença era que Bethke achava que isso ainda estava por acontecer, e os escritores do Movimento sabiam que, embora eles próprios tivessem nascido e vivido suas infâncias e adolescências antes do advento do computador pessoal (Gibson, por exemplo, nasceu em 1949), já pertenciam a uma geração envolvida com alta tecnologia, e tinham uma razoável fluência técnica.

Some-se ao conto de Bethke um empurrãozinho da parte de Gardner Dozois, na época editor da revista de contos de ficção científica americana Isaac Asimov Magazine, que ajudou a popularizar o termo – e a palavra cyberpunk entrou no imaginário da humanidade para nunca mais sair.

Mas o maior representante cyberpunk não é Bethke nem Sterling. Ele se chama William Gibson, e sua estréia oficial na literatura aconteceu dois anos antes de Mirrorshades, com a publicação de Neuromancer, em 1984. O livro se tornou um clássico em pouco tempo, e não apenas pela criação de outra palavra fundamental para a tecnologia e a cultura, o termo ciberespaço: as 271 páginas de Neuromancer nos apresentam cenários futuristas velhos e sujos, caindo aos pedaços, onde computadores modernos se misturam a tradições orientais e hackers são os mocinhos, lutando contra megacorporações transnacionais corruptas através de ações de terrorismo midiático.

Todo esse panorama, que hoje em dia sabemos ser real só de vivê-lo em nossa experiência cotidiana, foi preconizado por Gibson em seus livros. A extrapolação científica não foi de todo bem-sucedida: pelo menos até o momento, não temos um ciberespaço tão elaborado e elegante quanto o de Neuromancer, nem implantes tão incríveis quanto os de seus personagens. (O próprio William Gibson costuma dizer em entrevistas que, se fosse profeta, teria inventado o celular, pois esse aparelho inexiste no futuro de Neuromancer.) Em compensação, o que Gibson errou na ciência acertou de sobra no comportamento e na moda. Mais do que acertar, Gibson ajudou a criar o comportamento da cultura vigente hoje. A cibercultura, com sua ética hacker, sua música eletrônica, sua sampleagem cultural, suas tribos urbanas; um planeta interconectado, globalizado, interativo, voyeurista, pró-ativo; um mundo onde não engolimos impotentes o que os meios de comunicação vomitam, mas onde nos manifestamos publicamente através da Web e também através de eventos como flash mobs, onde começamos a ver projetos de “arquitetura líquida” (termo criado pelo arquiteto brasileiro Marcos Novak) e, com celulares, smartphones, iPods e outros dispositivos móveis, nos tornamos a passos largos endereços de IP móveis em uma cultura wireless, nas palavras de William Mitchell.

Pensando bem, talvez o futuro de histórias como Neuromancer nem seja tão improvável de acontecer, nem esteja tão distante de nós no tempo. Hoje, mais do que nunca, as novas tecnologias estão permitindo que o que antes era ficção científica se torne realidade, como dispositivos móveis, comunicação instantânea em um mundo interconectado através de agentes inteligentes, e os primeiros passos que já estamos começando a dar na direção de conceitos como arquitetura líquida e ciborguização do ser humano. Mas a formação de uma cultura que leva o fetiche pelo objeto técnico para além dos círculos restritos dos nerds e geeks e o amplia até englobar praticamente toda a sociedade se deve em grande parte aos autores do Movimento Cyberpunk, e, dentre estes, mais do que nenhum outro, a William Gibson.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Whuffie: você sabe o que é isso?


“Para entender a internet” é um livro colaborativo criado em Creative Commons, que teve a sua sementinha plantada no Campus Party 2009. Ele reúne vários textos de blogueiros sobre os mais diversos assuntos relacionados à internet (os mais diversos mesmo!).

Para Entender a Internet

Ainda não terminei de lê-lo, mas gostei de todos os “posts” que vi até agora e estou selecionando alguns para divulgar aqui no blog.

Baixem a versão completa e divulguem esta iniciativa e este conteúdo!


Selecionei este primeiro texto porque trata de algo da minha área (“capital social”), mas, como o próprio autor diz: com um nome muito mais sexy (whuffie).

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Capital Social / Whuffie

Por Cris Dias @crisdias

                Penúltimo dia da Campus Party e aqui estou vestindo uma camisa escrito “Free Rick”, com uma caricatura do cantor rei dos ternos com ombreira dos anos 80, Rick Astley. Eu não paguei pela camisa, ganhei porque alguém acha que eu tenho muito whuffie. Você quer uma camisa? Também não precisa pagar. O pessoal que bolou os desenhos estampa sua camiseta de graça em troca de você sair por aí com ela. O que ela ganha? Whuffie.

                Pense como a web 2.0 não tem, tecnologicamente, nada revolucionário. Sites interativos, banda larga, webcams, microfones... Tudo isso somado, mais o cada vez maior número de usuários de internet fez surgir uma coisa que precisava de um nome: Web 2.0. Já o Whuffie é outra coisa que não é necessariamente nova mas ficou tão comum que precisava de um nome. Alguém sugeriu “capital social”, mas vamos concordar que whuffie é muito mais sexy.

                O termo foi cunhado pelo escritor canadense Cory Doctorow no seu livro de ficção-científica “Down and Out in the Magic Kingdom”, de 2003. Ele conta como num futuro próximo a tecnologia do nosso mundo avançou tanto que duas coisas centrais na nossa sociedade deixaram de existir: a escassez e a morte. Por mais que lhe maltratem você nunca vai morrer. Por menos que você se esforce você sempre terá casa, comida e roupa lavada. O dinheiro, que é a manifestação física da economia de escassez, perde o sentido num mundo onde todo mundo pode ter tudo. Num mundo sem dinheiro, um mundo onde todo mundo pode ter tudo, o que as pessoas desejam? Aquilo que o dinheiro não compra. É claro que Doctorow não estava sonhando com um futuro distante. Ele estava falando do presente, exagerando na lente como os escritores de ficção-científica adoram fazer. Não vivemos hoje na Bitchun Society, o nome pós-capitalista dado para a nova maneira de viver, mas já fazemos muita coisa parecida. (O livro está disponível gratuitamente para download, o que ajudou a divulgar todo o seu trabalho e o transformou em um dos blogueiros mais influentes do mundo).

                Um termo que empresários e economistas adoram repetir é “comoditização”. Vivemos num mundo comoditizado, onde abrir uma estamparia de camisetas é tão barato que é melhor pensar em outro negócio ou um chinês com uma tela de silk-screen no quintal de casa vai lhe colocar para fora do mercado. No mundo comoditizado ou você cria algo realmente exclusivo e desejado, como um iPod, ou simplesmente dá seu produto de graça. Só que no mundo do whuffie você não vai simplesmente dar camisetas de graça, você vai trocar por whuffie. A comoditização do mundo está derrubando na marra a idéia de que escassez gera capital, simplesmente porque é cada vez mais difícil criar escassez. Lembra do chinês? Veio a tal web 2.0 (que, lembre-se, 11 Noções, práticas e desafios da comunicação em rede
é só um rótulo para facilitar a vida de gente escrevendo textos como esse) e o ditado do “informação é poder” foi derrubado. Quando eu cresci este era o lema do mundo, papai ensinava: “consiga o máximo de informação, guarde para você e use a seu favor”. Acho que o pai de alguém na geração seguinte esqueceu de contar isso e em algum ponto a informação começou a circular numa velocidade enorme, invertendo a lógica. Caiu “você é o que você tem” e entrou no lugar o “você é o que você compartilha”.

                Em um mundo sem escassez a economia passa a ser a da gift economy, dos presentes, do dar-e-receber que atinge uma escala tão grande que deixa de ser mera troca de favores. Um fazendeiro que planta laranjas no Brasil torce para que um furacão destrua os laranjais da Flórida. Quanto menos laranjas no mundo mais dinheiro no bolso para quem tem a fruta. A gift economy é a economia do “abraço grátis”, aqueles malucos com cartazes no meio da rua abraçando quem se candidatar. Quanto mais abraços eu der, assim de graça mesmo, mais felicidade eu e a pessoa abraçada ganhamos. E não precisa ser só abraço. Pense em uma comunidade de fotos, como o Flickr: um fã de fotografia já adora tirar fotos. Ele tira milhares de fotos por ano. Se ele mandar estas fotos para o site, vai receber feedback, vai ser reconhecido, vai ser chamado para participar de eventos... vai tornar a rede mais forte, vai favorecer pessoas que ele provavelmente nunca vai conhecer para ser “pago de volta” (pelo menos diretamente). Já a foto não compartilhada, guardada na “gaveta” não geraria valor nenhum nem para ele nem para ninguém, porque não há escassez de fotos para deixá-la mais cara quando um furacão destruir todos os fotógrafos de Cuba.

                É claro que a economia do whuffie não é perfeita. Ela ainda é usada por seres humanos com suas falhas e problemas. Nela, por exemplo, continua valendo a máxima de que “dinheiro chama dinheiro”. Whuffie chama whuffie. Pessoas com mais whuffie recebem destaque, são convidadas para eventos, são citadas em artigos... chamando para si e para seu trabalho a atenção de outras e, com isso, ganhando mais whuffie. A diferença é que o conceito de “celebridade” se fragmenta e deixa de ser uma coisa exclusiva de astros globais e estrelas do esporte para se espalhar pelas comunidades e turminhas, diminuindo a distância entre as pessoas e fazendo com que elas percebam que, no fim das contas, somos todas pessoas comuns.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Antropologia e Marketing (II)


Retomando então aquele post introdutório ao assunto. Mas antes, valem algumas ressalvas: não pretendo aqui fazer um apanhado de tooooodas as idéias a respeito do assunto, mas iniciar uma discussão, que será ainda desenvolvida em outros post, uma discussão que envolve metodologias, pontos de vistas diferentes e inovações que surgem a todo o instante e que vale a pena ficarmos atentos (mesmo que estas inovações sejam “revisitações” de antigas idéias, transportadas para uma realidade presente!). Enfim, apenas para deixar claro que usei algumas das muitas referências e que a idéia aqui é estar em constate construção.

Então vamos à idéia (sorry pelos adendos! rs): falarei um pouco de como a antropologia pode contribuir para as pesquisas de marketing. Na realidade, estou bastante interessada em discutir o método etnográfico e como uma ferramenta que desconstrói a homogeneização pode contribuir para o conhecimento de bens materiais ditos de massa.

Bom, vale retomar a frase de Mary Douglas e Baron Isherwood: “Os bens são neutros, seus usos são sociais” (ver referência completa no post "Apresentando: Craft Consumer"

Este é um ponto chave dos conhecimentos que a etnografia e as reflexões sob a óptica antropológica podem fornecer quando estamos falando de bens materiais massificados: é justamente a desconstrução desta idéia! Quando falamos de um bem massificado estamos falando de algo que é consumido pela massa e quando falamos de massa retomamos a idéia de coesão, de algo que se move junto, de padrão.

Contudo, ao analisarmos os usos destes bens – não o que as pessoas dizem que fazem, mas o que fazem elas realmente fazem com estes bens – algo somente captado através dos métodos etnográficos, percebemos que os consumidores não se comportam exatamente como massa, pelo contrário, identificamos diferentes modos de apropriação do objeto, diferentes maneiras de dotá-los de significados, distintos modos de uso...

Por fim, começamos a entender que o shopper não se trata somente de uma massa, ou então de um agrupamento segundo uma classificação socioeconômica (como a própria ABEP faz a ressalva), ao contrário, o método etnográfico permite captar as diferentes teias de significado que permeiam estas pessoas e que se entrecruzam de modo não estático.

Os bens são neutros, massificados, mas seus usos e seus consumidores são sociais!

A etnografia permite a captação de elementos imponderáveis, admite que se vá além das regras, permite acessar os comportamentos, consente o acesso ao ponto de vista do “nativo”, ou melhor, do consumidor. A reflexão antropológica, por sua vez, permite combinar a análise de comportamentos e das representações de forma articulada.

Poderíamos então, diante deste elemento, pensar nas gôndolas de supermercados, por exemplo, e na crescente diferenciação de produtos que, por sua vez, quando demasiado diversificados acabam por gerar movimentos inversos, como os do paradoxo da escolha e os problemas administrados pelos Gerenciamentos por Categoria e sortimento.... Mas isso não seria uma contradição, já que a diferenciação entre os compradores é imponderável?

Sim e não, se fizermos um exercício: se os estudos de sortimento nos mostram que existem elementos que geram decremental de venda e geram o paradoxo da escolha isso pode nos indicar algumas coisas: existem pontos em comum entre os diferentes grupos de consumidores, ou então, uma idéia mais ousada: será então que existe uma tendência de busca por elementos massificados os quais permitam a evidenciação da apropriação por parte dos consumidores? Explico melhor: será que o consumo e a busca pelo bem material de massa não cessa justamente por sua maleabilidade e flexibilidade, já que o que é padrão ajuda a evidenciar os elementos de diferenciação atribuídos por quem os compra? Será também que os bens materiais diferenciados que continuam a gerar um incremental nas vendas também não indica que existem pessoas que se identificam com aquelas diferenciações pré-fabricas, capazes de se integrar de maneira mais rápida e fácil às suas teias de significação?

Bom, estas são algumas hipóteses, inquietações e divagações que só podem ser investigadas com um estudo etnográfico e uma reflexão antropológica!

Em breve desenvolverei melhor estas idéias...