quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Apresentando: Craft Consumer

Você já ouviu falar no termo craft consumer? (no Brasil, este termo foi traduzido para “consumidor artesão”, no entanto, acho que quando traduzido perde um pouco do significado que a palavra craft carrega – quem faz artesanato sabe bem disso, não é mesmo? – por isso, utilizarei o termo em inglês)


Este termo foi desenvolvido por Colin Campbell para contrapor a idéia de um consumidor tolo e passivo e faz todo o sentido quando tomamos casos empíricos como os provocados pelo “Fiesta Movement”. Justamente por causa desta inspiração resolvi escrever este post, mostrando as principais idéias por trás do termo craft consumer. O texto-base utilizado no post foi “The Craft Consumer: Culture, craft and consumption in a postmodern society” (traduzido no Brasil como: O consumidor artesão: Cultura, artesania e consumo em uma sociedade pós-moderna), de Colin Campbell.



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A frase de Mary Douglas é um bom começo para a explicação de tal termo:


“Os bens são neutros, seus usos são sociais” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.36).


E é justamente esta idéia que Daniel Miller desenvolve em “Material Culture and Mass Consumption”, a qual foi inspiração para o desenvolvimento do termo craft consumer. Para Daniel Miller o consumo é um processo onde um material genérico (um produto de consumo de massa) é incorporado em um arranjo de significados particulares. Miller tem como foco o consumo como prática cultural e está interessado em como um bem material pode ser transmutado e ressignificado em diferentes contextos.

O principal insight fornecido por Miller: “grande parte do consumo empreendido por indivíduos nas sociedades contemporâneas deveria ser concebido (...) como uma atividade em que os indivíduos (...) [não somente se apropriam de coisas], mas também trazem habilidade, conhecimento, discernimento, amor e paixão à ação de consumir” (CAMPBELL, 2004, p. 49)


Tendo isto em mente....


A idéia de craft consumer não se refere somente a esta faceta da reapropriação simbólica dos bens materiais, contidas no ato de consumir, mas se direciona a um grupo de consumidores específicos, o qual estabelece uma relação muito particular com o objeto adquirido. Poderíamos, inclusive, localizar os agentes do “Fiesta Movement” neste grupo sob o qual recai o olhar (e o pensamento) de Colin Campbell.

Essas atividades de apropriação por parte do consumidor podem ser chamadas de “ritual de posse”,


“isto é, atividades que desempenham a importante função de habilitar os consumidores para adquirir o “título de propriedade” dos bens em questão. (...) Estes rituais ajudam no processo de superar a natureza inerentemente alheia dos produtos fabricados em massa e de assimilá-los no mundo de sentido que pertence ao consumidor. Esta função é então reforçada pelo que se tem chamado de “rituais de tratamento”, que abrangeriam atividades como lavar e limpar o carro, polir móveis e, naturalmente, lavar e passar as roupas. Todas estas atividades cumprem a mesma e importante função de ajudar os consumidores a apropriar mercadorias padronizadas ou produzidas em massa a seu próprio mundo de sentido individual. No entanto, não se pode dizer que todas as atividades em que os indivíduos tomam parte após a aquisição de um bem se enquadram na categoria das que revelam o consumo artesanal”. (CAMPBELL, 2004, p. 52)


Então, afinal, quem é craft consumer?


A customização e personalização fazem parte do “ritual de posse” que citei acima, contudo, devem ser diferenciadas do Craft Consumer:


1. Customização: “Um meio convencional pelo qual se poderia dizer que consumidores conquistam o “efeito de apropriação” é o processo de “customizar” produtos padronizados. Aqui, produtos fabricados em massa são “marcados”, seja pelo varejista ou pelo consumidor, de modo a indicar que são propriedade particular de um indivíduo específico” (CAMPBELL, 2004, p. 52). Ex.: colocar o nome ou as iniciais do consumidor no relógio, caneta, placa do carro personalizada.


2. Personalização: é o ajustamento dos produtos às necessidades dos consumidores e para Campbell este conceito se aproxima mais da idéia de craft consumer. Contudo, “trata-se de um tipo de serviço oferecido com uma freqüência cada vez maior pelos próprios varejistas, de modo que é importante estabelecer a distinção entre tal atividade quando empreendida pelo varejista e o que, por contraste, poderia ser qualificado como uma legítima alteração do próprio usuário. No entanto, aqui também ainda não é o caso de os consumidores tomarem parte em atividades que resultam em uma modificação significativa na concepção original do produto, embora possam ter de exercitar alguma parcela de habilidade” (CAMPBELL, 2004, p. 53). Outra forma de personalização refere-se à maneira como os produtos são utilizados, a qual muitas vezes se difere da maneira planejada pelo fabricante. Estes casos são úteis para demonstrar que anunciantes e varejistas não são as únicas fontes de influência em relação a escolha e aos usos dos bens materiais. “O que é especificamente interessante nestes exemplos é poderem ser vistos como ações que visam a recuperar a “singularidade” ou a “unicidade” que eram tradicionalmente a marca de autenticidade do objeto produzido manualmente [handicrafted]” (CAMPBELL, 2004, p. 56).


3. Craft Consumer: é aquele consumidor que modifica a concepção do próprio produto, trata-se de algo que transcende a “demarcação de território” ou a contratação de profissionais que produzam algo especialmente para você, o consumidor, assim como o produtor-artesão, deve estar inteiramente envolvido na concepção e na produção deste novo objeto. “O que é crucial notar acerca de grande parte desse “consumo artesanal” é que normalmente ele não envolve a “criação” física de um produto. (...) Antes, o que é realmente “criado” é um “conjunto”, ou uma “reunião” de produtos, cada um dos quais pode ser em si mesmo um item padronizado ou produzido em massa. Ainda, é esse tipo de “criatividade para juntar” que é tão típico do consumidor artesanal moderno, patente, por exemplo, no modo como indivíduos escolhem combinar as roupas que formam um “conjunto”, ou na maneira como eles dispõem móveis e itens decorativos para criar um determinado “estilo” em um cômodo, ou mesmo em suas casas como um todo” (CAMPBELL, 2004, p. 57).


Os craft consumers são dotados de um “capital cultural”, para lembrar Bourdieu, ou seja, são dotados de certas habilidades manuais, criatividades e conhecimentos que podem ser de natureza tanto elitista quanto popular. Para Campbell, a atividade artesanal desses consumidores está localizada na intersecção de “um corpo de conhecimentos práticos adquiridos pessoalmente” com a “moda e a arte” (CAMPBELL, 2004, p. 60).


Para entender melhor esta idéia, podemos retomar os agentes do “Fiesta Movement”: observamos, através das tarefas a serem cumpridas, a incorporação do carro, junto a outros bens materiais de massa, para dar origem a outro conjunto de coisas, um conjunto muito particular, capaz de representar características individuais, próprias de cada participante. Esta capacidade criativa e habilidade para dar origem a novos “produtos” faz parte do capital cultural do qual cada participante é dotado, o que torna viável esta capacidade de transformação, incorporação e criação a partir de diferentes produtos característicos do consumo de massa.




Referências bibliográficas


CAMPBELL, Colin. “O consumidor artesão: Cultura, artesania e consumo em uma sociedade pós-moderna”. In GOMES, Laura Graziela & BARBOSA, Livia (org) (2004). Dossiê: Por uma antropologia do consumo. Antropolítica, Niterói, n. 17, 2º sem. 2004.


DOUGLAS, Mary & ISHERWOOD, Baron (1979). O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Gadget: Garrafa que vira cabide ou cabide que vira garrafa?

Cá está o primeiro gadget deste blog. Não sei para vocês, mas estas coisinhas hiper criativas e muitas vezes super úteis (sim, convenhamos, algumas são boas somente para enfeitar) despertam em mim um interesse e uma curiosidade incrível.

Este aqui saiu no dia 16 de janeiro no Bem Legaus, blog dedicado a gadget (vejam o link na seção de blogs, do lado direito), e além de ser incrivelmente descolado, é útil e, o principal, contribui para o meio ambiente! Segue abaixo a reprodução do texto e das fotos que saíram no Bem Legaus, reparem no nome da marca: Rethink! Achei ótimo!



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"A ideia do "Rethink Hanger" é no mínimo curiosa: ganchos que se transformam em cabides após a conexão de duas garrafas plásticas. É isto mesmo! Dependendo do tamanho da roupa, é só rosquear garrafinhas de água mineral, chá, refrigerante, etc. Uma interessante maneira de reutilizar garrafas, além de economizar espaço na bagagem durante viagens. O cabide " Rethink Hanger" é encontrado nas cores verde e amarela e cada um custa 7,99 dólares. "Engarrafadamente legaus"!"







Referência:

Bem Legaus: http://www.bemlegaus.com/2010/01/cabides-engarrafados.html




quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Fiesta Movement: você conhece?

Você já ouviu falar nesta ação de marketing da Ford nos Estados Unidos? Pois é, eu não tinha ouvido falar até o começo desta semana, quando li uma entrevista de um dos idealizadores da campanha, Bud Caddell, da Undercurrent, no blog do antropólogo Grant McCracken.


A primeira vista, trata-se de um “tradicional” marketing de guerrilha, ou marketing viral, mas quando procuramos mais detalhes sobre a sua elaboração e a idéia que sustentam esta campanha, logo vemos que aí tem muita coisa inovadora, que parte de um princípio de troca de interesses.


Em que consiste esta campanha: a partir de redes sociais, com foco no Youtube, a Ford e a Undercurrent selecionaram 100 pessoas e deram a elas um carro, o novo Fiesta, por 6 meses (com gasolina paga), com a condição de que a cada mês eles cumprissem algumas missões. Pois bem, a sacada está na seleção destas pessoas, que possuem algo em comum: são pessoas consideradas fenômenos da internet, com multidões de seguidores e que estão sempre em busca da multiplicação destes. Ok, seriam os famosos trend setters, influenciadores... enfim... Contudo, a inovação está na maneira em como este recrutamento foi feito e nas instruções para os vídeos e fotos: a marca não deveria aparecer (ok, ela irá aparecer, mas de uma forma natural, mesmo porque o carro tem que estar em cena) e a intenção não era fazer uma propaganda, mas sim incorporar o carro ao dia-a-dia, das tarefas comuns às mais inusitadas. O outro ponto crucial desta relação foi o modo como ela foi estabelecida: o carro foi fornecido como instrumento de captação de mais seguidores, bem como as tarefas e missões a serem cumpridas, e é nisso que essas pessoas estão interessadas, então aí está a troca. O que é relevante nisso é que quando há um interesse (monetário ou simbólico) recíproco (o que não significa, necessariamente, igualitário) a interação entre estes agentes (como foram nomeados pelo projeto) e a Ford passa a ocorrer de uma maneira peculiar: o carro passa a ser incorporado a algo que estas pessoas já faziam, mostrando-se um elemento complementar às histórias que já eram criadas por eles. Desta maneira, a Ford conseguiu o que queria: mostrar tudo o que o carro poderia ser, de acordo com o interesse de cada um, seja ele qual for.


É importante ainda notar é que este projeto foi iniciado em um período de crise e em um país onde carros pequenos não são o que poderíamos chamar de o maior sucesso. Resultado? Sim. A partir desta iniciativa com custos reduzidos (devido tanto a produção, quanto ao pequeno número de pessoas que estavam envolvidas), nas primeiras seis semanas de lançamento do carro foram vendidas 10 mil unidades.


O que vemos nesta experiência proposta é um grupo de pessoas mostrando de diferentes maneiras a ressignificação de um bem material. Podemos objetar que estas reapropriações foram estimuladas pelas missões propostas, contudo, ainda assim, podemos observar como pessoas de diferentes lugares dos Estados Unidos, com diferentes características, tornam reais, ao seu modo, as missões que foram colocadas. A observação dos vídeos rende uma boa reflexão antropológica acerca das relações estabelecidas entre estes agentes e o carro, entre os agentes e a Ford, entre os agentes e as pessoas que assistem aos vídeos e, por fim, entre a Ford e essas pessoas que assistiram aos vídeos (espero desenvolvê-la muito em breve).


A partir de 100 pessoas houve uma multiplicação das relações sociais estabelecidas entre indivíduos e entre o bem material, o que proporcionou não só a venda dos veículos, mas também a (re)construção da marca e o acesso a possíveis modificações que deverão ser feitas nas próximas versões.


Como McCracken coloca, esta campanha poderia ser um tradicional marketing viral se a Ford solicitasse aos agentes que falassem de sua marca, contudo, o que se incentiva é a criação e construção das percepções por parte do agente, sendo disseminada e compartilhada com a sua rede e, em meio a este processo, há a contribuição para a reconstrução da marca Fiesta.


A partir de um bem material estimula-se a criação de conteúdos criativos que estão imersos nas teias de significados de cada agente. É uma maneira de capturar os gostos disponíveis no campo do consumo para que sejam transformados em bens materiais a partir do universo dos possíveis contidos no campo de produção (para utilizar as categorias de Bourdieu).


Para finalizar, assistam aos vídeos no site da campanha ou no YouTube, são vários. Eu já vi alguns e elegi este daqui como um dos mais bem humorados da missão de criar um vídeo a partir de filmes: http://chapter1.fiestamovement.com/missions/view/655


E este outro na missão de ironizar o Pimp My Ride (programa da MTV que “tuna” carros): http://chapter1.fiestamovement.com/missions/view/651



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Referências utilizadas


Grant McCracken: http://cultureby.com/

Fiesta Movement: http://chapter1.fiestamovement.com

A distinção (Pierre Bourdieu)



terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Saiu no Jornal do Comércio: Etnografia como Pesquisa de Mercado

Saiu no Jornal do Comércio, dia 5 de janeiro de 2010, uma reportagem sobre o aumento da atuação dos antropólogos nas pesquisas de mercado.

A antropóloga da foto é a Hilaine, mestranda em Antropologia na UFF, no Rio de Janeiro, que vem atuando no campo do consumo há algum tempo. Na reportagem ela conta um pouco de sua experiência.

Confiram o blog dela, com muito conteúdo sobre o assunto: http://teiasdoconsumo.blogspot.com


bjs Hilaine!


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Vamos ao que interessa: conteúdo!

Este excerto faz parte de um “artigo” (entre aspas porque eu não o publiquei em nenhum lugar) que eu elaborei pensando no papel do Marketing e da Pesquisa de Mercado como mediadores do campo de consumo e do campo de produção e também nas possibilidades de atuação dos estudos antropológicos nesta intersecção. Nele exponho alguns conceitos elaborados e desenvolvidos por Pierre Bourdieu, no livro “A Distinção”, acerca da relação estabelecida entre tais campos (produção e consumo), localizando o Marketing neste contexto.


Em breve publicarei o texto na íntegra no meu site, que está em construção.



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(...)


À luz das categorias de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1979), podemos situar o Marketing entre o campo de produção e o campo de consumo, onde exerce um papel mediador ao organizar os processos de distribuição e desenvolvimento de novos bens materiais, além de fornecer ao campo da produção ferramentas de identificação das demandas disponíveis no campo do consumo.


Para Bourdieu (BOURDIEU, 1979), o ajuste entre oferta e demanda não resulta de uma suposta imposição da produção sobre o consumo, nem tampouco de uma antecipação consciente, por parte desta, das necessidades dos consumidores. Ao contrário, existe uma dinâmica de correspondência entre duas lógicas distintas que operam no campo que elabora os bens materiais e no campo onde os gostos são produzidos, havendo uma homologia entre ambas as dimensões, proporcionando às mercadorias o encontro não proposital das demandas elaborada nas relações imersas no campo do consumo. É através desta dinâmica homóloga entre oferta e demanda que os diferentes gostos, disponíveis no universo dos possíveis, encontram a possibilidade de objetivação, o que garante o funcionamento do mercado.


Ao campo de produção, cabe oferecer o “universo de bens culturais como sistema das possibilidades estilísticas” (BOURDIEU, 1979, pp 216), dentro do qual irá selecionar os traços constitutivos dos bens materiais de acordo com os gostos de um determinado estilo de vida. Desta forma, a oferta exerce um efeito de imposição simbólica e, como conseqüência, possui a força de legitimar e fortalecer os gostos correspondentes, pois assume o papel de autorizar e realizar as disposições de maneira coletivamente reconhecida.


Os gostos, por outro lado, regem as relações que são estabelecidas com este capital objetivado, composto por um mundo de objetos hierarquizados e hierarquizantes, definindo-o e permitindo a sua realização. Se, por um alado, os gostos realizados dependem das possibilidades estilísticas disponíveis; por outro lado, a relação de dependência também se opera na direção inversa: uma mudança no sistema de gostos modifica, invariavelmente, o campo da produção, de maneira a ter sucesso os produtores mais bem equipados para responderem às novas condições das disposições (BOURDIEU, 1979).


Através da lógica da concorrência de mercado, os produtores produzem uma gama diversificada de produtos a fim de corresponder aos diferentes interesses dos consumidores e oferecer a possibilidade de sua realização, pois como o próprio ditado popular nos ensina: “Existe gosto para tudo”.


Nesta dinâmica, identificamos, então, uma homologia de natureza funcional e estrutural, que deve a sua existência a uma tendência dos campos especializados se organizarem sob uma mesma lógica, onde a correspondência entre a classe de produtos e a classe de consumidores só se realiza no consumo através de uma homologia entre bens e grupos, o que permite, por parte do indivíduo, uma identificação de bens objetivamente adequados a sua posição na sociedade ou no grupo ao qual pertence. Desta forma, opera-se a manutenção dos processos de oferta e demanda inerentes à lógica de mercado (BOURDIEU, 1979).


(...)


Referência Bibliográfica

BOURDIEU, Pierre (1979). A distinção: crítica social do julgamento. São. Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007.