quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Whuffie: você sabe o que é isso?


“Para entender a internet” é um livro colaborativo criado em Creative Commons, que teve a sua sementinha plantada no Campus Party 2009. Ele reúne vários textos de blogueiros sobre os mais diversos assuntos relacionados à internet (os mais diversos mesmo!).

Para Entender a Internet

Ainda não terminei de lê-lo, mas gostei de todos os “posts” que vi até agora e estou selecionando alguns para divulgar aqui no blog.

Baixem a versão completa e divulguem esta iniciativa e este conteúdo!


Selecionei este primeiro texto porque trata de algo da minha área (“capital social”), mas, como o próprio autor diz: com um nome muito mais sexy (whuffie).

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Capital Social / Whuffie

Por Cris Dias @crisdias

                Penúltimo dia da Campus Party e aqui estou vestindo uma camisa escrito “Free Rick”, com uma caricatura do cantor rei dos ternos com ombreira dos anos 80, Rick Astley. Eu não paguei pela camisa, ganhei porque alguém acha que eu tenho muito whuffie. Você quer uma camisa? Também não precisa pagar. O pessoal que bolou os desenhos estampa sua camiseta de graça em troca de você sair por aí com ela. O que ela ganha? Whuffie.

                Pense como a web 2.0 não tem, tecnologicamente, nada revolucionário. Sites interativos, banda larga, webcams, microfones... Tudo isso somado, mais o cada vez maior número de usuários de internet fez surgir uma coisa que precisava de um nome: Web 2.0. Já o Whuffie é outra coisa que não é necessariamente nova mas ficou tão comum que precisava de um nome. Alguém sugeriu “capital social”, mas vamos concordar que whuffie é muito mais sexy.

                O termo foi cunhado pelo escritor canadense Cory Doctorow no seu livro de ficção-científica “Down and Out in the Magic Kingdom”, de 2003. Ele conta como num futuro próximo a tecnologia do nosso mundo avançou tanto que duas coisas centrais na nossa sociedade deixaram de existir: a escassez e a morte. Por mais que lhe maltratem você nunca vai morrer. Por menos que você se esforce você sempre terá casa, comida e roupa lavada. O dinheiro, que é a manifestação física da economia de escassez, perde o sentido num mundo onde todo mundo pode ter tudo. Num mundo sem dinheiro, um mundo onde todo mundo pode ter tudo, o que as pessoas desejam? Aquilo que o dinheiro não compra. É claro que Doctorow não estava sonhando com um futuro distante. Ele estava falando do presente, exagerando na lente como os escritores de ficção-científica adoram fazer. Não vivemos hoje na Bitchun Society, o nome pós-capitalista dado para a nova maneira de viver, mas já fazemos muita coisa parecida. (O livro está disponível gratuitamente para download, o que ajudou a divulgar todo o seu trabalho e o transformou em um dos blogueiros mais influentes do mundo).

                Um termo que empresários e economistas adoram repetir é “comoditização”. Vivemos num mundo comoditizado, onde abrir uma estamparia de camisetas é tão barato que é melhor pensar em outro negócio ou um chinês com uma tela de silk-screen no quintal de casa vai lhe colocar para fora do mercado. No mundo comoditizado ou você cria algo realmente exclusivo e desejado, como um iPod, ou simplesmente dá seu produto de graça. Só que no mundo do whuffie você não vai simplesmente dar camisetas de graça, você vai trocar por whuffie. A comoditização do mundo está derrubando na marra a idéia de que escassez gera capital, simplesmente porque é cada vez mais difícil criar escassez. Lembra do chinês? Veio a tal web 2.0 (que, lembre-se, 11 Noções, práticas e desafios da comunicação em rede
é só um rótulo para facilitar a vida de gente escrevendo textos como esse) e o ditado do “informação é poder” foi derrubado. Quando eu cresci este era o lema do mundo, papai ensinava: “consiga o máximo de informação, guarde para você e use a seu favor”. Acho que o pai de alguém na geração seguinte esqueceu de contar isso e em algum ponto a informação começou a circular numa velocidade enorme, invertendo a lógica. Caiu “você é o que você tem” e entrou no lugar o “você é o que você compartilha”.

                Em um mundo sem escassez a economia passa a ser a da gift economy, dos presentes, do dar-e-receber que atinge uma escala tão grande que deixa de ser mera troca de favores. Um fazendeiro que planta laranjas no Brasil torce para que um furacão destrua os laranjais da Flórida. Quanto menos laranjas no mundo mais dinheiro no bolso para quem tem a fruta. A gift economy é a economia do “abraço grátis”, aqueles malucos com cartazes no meio da rua abraçando quem se candidatar. Quanto mais abraços eu der, assim de graça mesmo, mais felicidade eu e a pessoa abraçada ganhamos. E não precisa ser só abraço. Pense em uma comunidade de fotos, como o Flickr: um fã de fotografia já adora tirar fotos. Ele tira milhares de fotos por ano. Se ele mandar estas fotos para o site, vai receber feedback, vai ser reconhecido, vai ser chamado para participar de eventos... vai tornar a rede mais forte, vai favorecer pessoas que ele provavelmente nunca vai conhecer para ser “pago de volta” (pelo menos diretamente). Já a foto não compartilhada, guardada na “gaveta” não geraria valor nenhum nem para ele nem para ninguém, porque não há escassez de fotos para deixá-la mais cara quando um furacão destruir todos os fotógrafos de Cuba.

                É claro que a economia do whuffie não é perfeita. Ela ainda é usada por seres humanos com suas falhas e problemas. Nela, por exemplo, continua valendo a máxima de que “dinheiro chama dinheiro”. Whuffie chama whuffie. Pessoas com mais whuffie recebem destaque, são convidadas para eventos, são citadas em artigos... chamando para si e para seu trabalho a atenção de outras e, com isso, ganhando mais whuffie. A diferença é que o conceito de “celebridade” se fragmenta e deixa de ser uma coisa exclusiva de astros globais e estrelas do esporte para se espalhar pelas comunidades e turminhas, diminuindo a distância entre as pessoas e fazendo com que elas percebam que, no fim das contas, somos todas pessoas comuns.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Antropologia e Marketing (II)


Retomando então aquele post introdutório ao assunto. Mas antes, valem algumas ressalvas: não pretendo aqui fazer um apanhado de tooooodas as idéias a respeito do assunto, mas iniciar uma discussão, que será ainda desenvolvida em outros post, uma discussão que envolve metodologias, pontos de vistas diferentes e inovações que surgem a todo o instante e que vale a pena ficarmos atentos (mesmo que estas inovações sejam “revisitações” de antigas idéias, transportadas para uma realidade presente!). Enfim, apenas para deixar claro que usei algumas das muitas referências e que a idéia aqui é estar em constate construção.

Então vamos à idéia (sorry pelos adendos! rs): falarei um pouco de como a antropologia pode contribuir para as pesquisas de marketing. Na realidade, estou bastante interessada em discutir o método etnográfico e como uma ferramenta que desconstrói a homogeneização pode contribuir para o conhecimento de bens materiais ditos de massa.

Bom, vale retomar a frase de Mary Douglas e Baron Isherwood: “Os bens são neutros, seus usos são sociais” (ver referência completa no post "Apresentando: Craft Consumer"

Este é um ponto chave dos conhecimentos que a etnografia e as reflexões sob a óptica antropológica podem fornecer quando estamos falando de bens materiais massificados: é justamente a desconstrução desta idéia! Quando falamos de um bem massificado estamos falando de algo que é consumido pela massa e quando falamos de massa retomamos a idéia de coesão, de algo que se move junto, de padrão.

Contudo, ao analisarmos os usos destes bens – não o que as pessoas dizem que fazem, mas o que fazem elas realmente fazem com estes bens – algo somente captado através dos métodos etnográficos, percebemos que os consumidores não se comportam exatamente como massa, pelo contrário, identificamos diferentes modos de apropriação do objeto, diferentes maneiras de dotá-los de significados, distintos modos de uso...

Por fim, começamos a entender que o shopper não se trata somente de uma massa, ou então de um agrupamento segundo uma classificação socioeconômica (como a própria ABEP faz a ressalva), ao contrário, o método etnográfico permite captar as diferentes teias de significado que permeiam estas pessoas e que se entrecruzam de modo não estático.

Os bens são neutros, massificados, mas seus usos e seus consumidores são sociais!

A etnografia permite a captação de elementos imponderáveis, admite que se vá além das regras, permite acessar os comportamentos, consente o acesso ao ponto de vista do “nativo”, ou melhor, do consumidor. A reflexão antropológica, por sua vez, permite combinar a análise de comportamentos e das representações de forma articulada.

Poderíamos então, diante deste elemento, pensar nas gôndolas de supermercados, por exemplo, e na crescente diferenciação de produtos que, por sua vez, quando demasiado diversificados acabam por gerar movimentos inversos, como os do paradoxo da escolha e os problemas administrados pelos Gerenciamentos por Categoria e sortimento.... Mas isso não seria uma contradição, já que a diferenciação entre os compradores é imponderável?

Sim e não, se fizermos um exercício: se os estudos de sortimento nos mostram que existem elementos que geram decremental de venda e geram o paradoxo da escolha isso pode nos indicar algumas coisas: existem pontos em comum entre os diferentes grupos de consumidores, ou então, uma idéia mais ousada: será então que existe uma tendência de busca por elementos massificados os quais permitam a evidenciação da apropriação por parte dos consumidores? Explico melhor: será que o consumo e a busca pelo bem material de massa não cessa justamente por sua maleabilidade e flexibilidade, já que o que é padrão ajuda a evidenciar os elementos de diferenciação atribuídos por quem os compra? Será também que os bens materiais diferenciados que continuam a gerar um incremental nas vendas também não indica que existem pessoas que se identificam com aquelas diferenciações pré-fabricas, capazes de se integrar de maneira mais rápida e fácil às suas teias de significação?

Bom, estas são algumas hipóteses, inquietações e divagações que só podem ser investigadas com um estudo etnográfico e uma reflexão antropológica!

Em breve desenvolverei melhor estas idéias...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

RedesSociais.br (Agência Click)

A Agência Click realizou um radar do perfil dos brasileiros nas redes sociais. Super didático, trazendo coisas "boas para pensar", como diria Lévi-Strauss... Confiram:

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Antropologia e Marketing (I)

Depois de tanto pensar no próximo post (sim, manter um blog exige bastante exercício da massa encefálica! rs), cheguei ao tema, mas percebi que seria interessante eu introduzi-lo com uma parte de um trabalho que eu fiz a respeito do papel da antropologia na pesquisa de mercado. No próximo post irei discutir um pouco sobre o método etnográfico (esta idéia veio a minha mente depois de longas discussões com alguns amigos “marketeiros” a respeito das informações produzidas por tal método: paricularidade vs massificação), por isso a utilidade desta introdução a respeito da relação entre Antropologia e Marketing.


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Como ponto de partida, retomo a discussão que eu elaborei no post “Vamos ao que interessa: conteúdo”, para não ser repetitiva, quero apenas lembrar de dois elementos: campo de produção e campo do consumo, os quais estabelecem uma dinâmica homóloga, a partir da qual são captados os gostos, no campo do consumo, para a produção de bens materiais, no campo da produção.


Esta dinâmica, entre o campo de produção e o de consumo, se complexifica quando a situamos na lógica do império do efêmero (LIPOVETSKY, 1989) da sociedade pós-moderna. A definição dos gostos extrapola as dimensões da distinção de classe, adentrando em uma malha de diferenciação composta por elementos de naturezas distintas, dando origem ao que Featherstone irá chamar de microidentidades (FEATHERSTONE, 1995).


Esse processo de complexificação é resultado da intensificação de uma dinâmica que marcou a transição da sociedade de corte para a sociedade de consumo (BARBOSA, 2004a). Nesta transição, operou-se a passagem do consumo familiar para o consumo individual. Na sociedade de corte as escolhas individuais estavam subordinadas e condicionadas a grupos com estilos de vida previamente definidos e regulados. Esta dinâmica, contudo, é rompida na sociedade contemporânea de mercado, onde a ausência de regulação das escolhas individuais tornou-se um pressuposto de existência. Hoje a dinâmica de difusão da moda opera de maneira capilar, permitindo uma apropriação por parte dos diferentes grupos sociais e por parte dos próprios indivíduos, levando à criação de modas particulares.


Contudo, como assinalam Colin Campbell (2006) e Daniel Miller (2007), a noção de escolha individual não deve ser romantizada, necessitando situá-la no contexto cultural na qual ocorre, pois variáveis como gênero e grupo étnico estabelecem parâmetros para a operação de tais escolhas. Outro fator a ser considerado é que a identidade não é construída através do processo de consumo, mas o que se dá é antes uma dinâmica de identificação e objetivação de desejos e identidades.


Estas mudanças obrigaram o campo de produção a tornar-se cada vez mais maleável e capaz de identificar os gostos a serem objetivados e de produzir e renovar o sistema de possibilidades estilísticas disponíveis. Contudo, por mais que haja uma homologia entre a distinção dos gostos e a distinção da produção, capaz de produzir fábricas cada vez mais especializadas, a partir do momento em que há uma pulverização e uma distinção quase que infinita dos gostos, a própria estrutura física do campo de produção não consegue responder, de maneira eficiente, sem que haja o desenvolvimento de mecanismos que auxiliem esta identificação.


Neste contexto, situo a Pesquisa de Mercado, interessada em produzir informações acerca do Comportamento do Consumidor. Este campo do Marketing surgiu justamente da crescente necessidade da indústria identificar as demandas disponíveis para promoverem a manutenção de seu portfólio de produtos e manterem-se competitivas dentro da lógica da concorrência de mercado na sociedade de consumo pós-moderna.


Contudo, a própria dinâmica operada pelo mercado impede que este campo seja constituído de matéria estática, ao contrário, faz-se necessária uma constante reformulação e desenvolvimento de métodos que viabilizem a captação dos gostos dos consumidores.


Observamos, então, uma busca crescente por pesquisas cada vez mais particularizadas, capazes de dar conta das parcelas e grupos formados com crescente a diferenciação e a subseqüente identificação de gostos.


Neste contexto, o método antropológico de campo, a etnografia, passou a ser uma fonte de inspiração metodológica importante para o Marketing. A novidade desta ferramenta antropológica, em tal campo, consistiu na interação com o consumidor em situações reais de existência. Desta forma, os métodos de inspiração etnográfica passaram a integrar o rol das pesquisas qualitativas utilizadas pelo Marketing.



Referências Bibliográficas


BARBOSA, Lívia (2004a). Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.


_________. (2004b). “Marketing Etnográfico: colocando a etnografia em seu devido lugar”. Revista de Administração de Empresas., São Paulo, FGV, v. 2, 2004http://www16.fgv.br/rae/artigos/1891.pdf >. Acessos em 20 out. 2009.


CAMPBELL, Colin (2006). “Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno”. In: BARBOSA, Lívia & CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.


FEATHERSTONE, Mike (1995). Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 2000.


LIPOVETSKY, Gilles (1989). O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia das Letras, 2007.


MILLER, Daniel (2007). “Consumo como cultura material”. Horiz. antropol., Porto Alegre, v. 13, n. 28, dez. Disponível em . Acessos em 15 out. 2009. doi: 10.1590/S0104-71832007000200003.